Transição "é urgente". Ano de 2024 a caminho de ser o mais quente desde que há registo

por Cristina Sambado - RTP
Fayez Nureldine - AFP

Os últimos dados do sistema europeu Copernicus revelam que 2024 deverá chegar ao fim com a marca do ano mais quente desde que há registo. Será também o primeiro a registar uma temperatura média superior a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, marcando uma nova escalada da crise climática. Ouvido pela RTP, o presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Filipe Duarte Santos, considera "realmente urgente fazer uma transição energética".

Após o segundo mês de novembro mais quente, “é de facto certo que 2024 será o ano mais quente desde que há registo e ultrapassará o nível pré-industrial em mais de 1,5°C”, anunciou esta segunda-feira o Serviço das Alterações Climáticas (C3S) do observatório europeu Copernicus.

O mês de novembro, que foi marcado por uma sucessão de tufões devastadores na Ásia e pela continuação de secas históricas na África Austral e na Amazónia, foi 1,62°C mais quente do que um novembro normal, quando a humanidade não queimava petróleo, gás ou carvão à escala industrial.
Novembro é o 16.º dos últimos 17 meses a registar uma anomalia de 1,5°C em comparação com o período 1850-1900, de acordo com a base de dados Copernicus ERA5.

Com os dados relativos a 11 meses de 2024 já disponíveis, os cientistas afirmaram que a média do ano deverá ser de 1,60°C, ultrapassando o recorde estabelecido em 2023 de 1,48 °C.

Podemos agora confirmar com quase toda a certeza que 2024 será o ano mais quente de que há registo e o primeiro ano civil acima de 1,5ºC. Isto não significa que o Acordo de Paris tenha sido violado, mas significa que uma ação climática ambiciosa é mais urgente do que nunca”, revelou ao jornal britânico The Guardian Samantha Burgess, diretora-adjunta do C3S.

O Acordo de Paris sobre o clima obriga os 196 países signatários a manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC, a fim de limitar o impacto das catástrofes climáticas. Mas este objetivo é medido ao longo de uma ou duas décadas, não de um único ano.

“No entanto, a probabilidade de nos mantermos abaixo do limite de 1,5ºC, mesmo a longo prazo, parece cada vez mais remota”, considera Samantha Burgess.
Prevê-se que as emissões de CO2 que aquecem o planeta continuem a aumentar em 2024, apesar do compromisso global assumido no final de 2023 de “abandonar os combustíveis fósseis”.
As emissões de combustíveis fósseis têm de diminuir 45 por cento até 2030 para que haja uma hipótese de limitar o aquecimento a 1,5ºC.

A recente COP29, no Azerbaijão, não conseguiu chegar a um acordo sobre a forma de avançar com a transição para o abandono do carvão, do petróleo e do gás. Os dados do C3S mostraram que novembro de 2024 foi o 16º mês num período de 17 meses em que a temperatura média excedeu 1,5ºC.

A crise climática já está a provocar um aumento dos fenómenos meteorológicos extremos,
com ondas de calor de intensidade e frequência anteriormente impossíveis a ocorrerem em todo o mundo, juntamente com tempestades mais violentas e inundações mais graves.

Os incêndios, impulsionados por secas severas, afetaram o oeste dos EUA, o Canadá, a floresta amazónica e, em particular, as zonas húmidas do Pantanal.

A escala de alguns dos incêndios em 2024 atingiu níveis históricos, especialmente na Bolívia, no Pantanal e em partes da Amazónia. Os incêndios florestais no Canadá foram novamente extremos, embora não na escala recorde de 2023. Os incêndios causaram elevados níveis de poluição atmosférica em todos os continentes durante semanas”, segundo Mark Parrington, cientista da Cams.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, o mundo está a caminhar para um aquecimento global “catastrófico” de 3,1°C neste século, ou mesmo de 2,6°C se as promessas de fazer melhor forem cumpridas.

Os países têm até fevereiro para apresentar às Nações Unidas os seus objetivos climáticos revistos para 2035, conhecidos como “contribuições nacionalmente determinadas”.A cimeira de Baku também terminou sem qualquer compromisso explícito de acelerar a “transição” para o abandono dos combustíveis fósseis, aprovada na COP28 no Dubai.

Mas o acordo mínimo alcançado na COP29, no final de novembro, poderá ser utilizado para justificar ambições pouco ambiciosas. Os países em desenvolvimento receberam dos países ricos a promessa de 300 mil milhões de dólares de ajuda anual até 2035, menos de metade do que pedem para financiar a sua transição energética e a adaptação aos danos climáticos.

Os danos económicos causados por condições meteorológicas extremas estão a aumentar, de acordo com o instituto de investigação da companhia de seguros Swiss Re. Os seus dados revelam que as perdas económicas estimadas em 2024 aumentaram seis por cento para 320 mil milhões de dólares, um valor 25 por cento superior à média dos dez anos anteriores.

Os furacões Helene e Milton e as tempestades mais severas nos EUA, bem como as inundações na Europa e nos Emirados Árabes Unidos, contribuíram para as perdas seguradas. No entanto, menos de metade das perdas em todo o mundo foram cobertas por seguros, uma vez que as pessoas mais pobres não puderam pagar os prémios.

Para a Swiss Re, “é provável que os prejuízos aumentem à medida que as alterações climáticas intensificam os fenómenos meteorológicos extremos, enquanto o valor dos ativos aumenta nas zonas de alto risco devido à expansão urbana. A adaptação é, por conseguinte, fundamental e as medidas de proteção, como diques, barragens e comportas, são até dez vezes mais rentáveis do que a reconstrução”.
Ano seguinte a El Niño
Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), recordou esta segunda-feira na RTP3 que “este é um ano em que não estamos com o fenómeno El Ninõ, que explicou, em parte, aquilo que se passou em 2023, no que respeita a um aumento da temperatura anormal”.
Para Filipe Duarte Santos, “o mais importante é que num artigo recente, publicado na revista americana Science, três cientistas europeus chamam a atenção para que a causa mais provável deste aumento da temperatura tem a ver com uma resposta do próprio sistema climático ao aquecimento global”.

O estudo publicado na passada quinta-feira afirma que, em 2023, a Terra enviou menos energia solar para o espaço, devido a uma redução das nuvens de baixo nível e, em menor escala, a uma redução do gelo marinho.

Na Antártida, o bloco de gelo manteve-se em níveis historicamente baixos sem interrupção desde 2023, observa o Copernicus, com um novo recorde de degelo para um mês de novembro.

O presidente Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável defende ainda que “para o bem dos nossos netos e bisnetos, para as futuras gerações, é realmente urgente fazer uma transição energética”.

c/ agências
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